UMA HISTÓRIA DE OUSADIA
"Para
entender o significado e a importância da música mais popular de autoria de
Geraldo Vandré, é preciso saber que a mesma se impôs num cenário musical e
cultural dos mais delicados, principalmente se considerarmos que em 1968 nosso
país vivia um momento político dos mais difíceis.
Usando
seu talento poético e musical, Vandré ousou driblar a censura implacável que os
militares reservavam a toda manifestação cultural que fosse de encontro do
regime estabelecido, para lançar no ar uma mensagem musical, alertado o povo
brasileiro para a situação reinante, e principalmente para a necessidade desse
povo tomar para si as rédeas da história. Só assim seria possível tirar o país
das trevas social e política em que o mesmo fora colocado, por um regime
militar reconhecidamente excludente.
“PARA NÃO
DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES” foi apresentada ao público no Festival da
Canção. Premiada pelo júri com a segunda colocação, a canção voltou a ser
interpretada de novo nesse evento sob vaias e protesto, de um Maracananzinho
superlotado, e que não conseguia compreender os votos dos julgadores.
Mas a
canção de Vandré era forte o suficiente, e não apenas resistiu à incompreensão
dos jurados e da ditadura militar – que proibiu sua execução por anos -, mas
acabou transformando-se no hino oficial de toda uma geração politicamente
consciente e devidamente engajada em um dos movimentos sociais. E o segredo da
eterna emotividade em ouvir “PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES”, talvez
possa ser compreendido com uma leitura mais cuidadosa da música em questão.
Na
primeira estrofe, Vandré simboliza a igualdade entre os homens através de uma
melodia cantada em uníssono por todos aqueles que socialmente pertencem ao
grupo dos excluídos. Nas entrelinhas o autor parece fazer um alerta sobre a
necessidade da comunhão dos explorados, para juntos entoarem afinados a melodia
que transforma e que liberta.
Na segunda
estrofe, o autor faz um alerta veemente sobre a necessidade de o homem
construir sua própria história sem intermediários. Se o homem se encontra
insatisfeito com o sistema em que vive e com sua condição de explorado, é
preciso que ele tome para si e para os que como ele pensam, a tarefa de
construção de uma sociedade onde ele possa se sentir humanamente satisfeito. O
homem que sabe de sua condição de explorado não deve confiar sua libertação a
terceiros. Ele deve ter a consciência que o fim do seu estado de opressão passa
por sua ação participativa, propondo e sendo sujeito nos momentos em que se
tomam e em que se põem em prática decisões libertadoras.
No
terceiro parágrafo, o autor nos remete a uma realidade social das mais injustas
em nosso país: a questão da má distribuição daquilo que se produz no campo.
Como resultado disso, enquanto meia dúzia de grandes proprietários acumula
fortunas exportando produtos colhidos em suas extensas áreas de terra, a
maioria do povo passa fome, seja por falta de um pequeno pedaço de terra onde
ele possa tirar seu sustento, seja pela falta de recursos para adquirir os
produtos colocados à venda no mercado varejista, sempre com preços muito acima
do valor real. Vandré completa seu pensamento nesse parágrafo abordando o problema
das pessoas que vagueiam pelo país afora, sem qualquer perspectiva profissional
ou de ascensão social. Apesar de tudo, esses seres preferem acomodar-se à
situação em que vivem, e a maioria segue acreditando que um dia tudo possa ser
resolvido de forma pacífica, através de um acordo entre explorados e
exploradores.
No
penúltimo parágrafo, o autor fala sobre o braço armado do sistema. São pessoas
que exercem uma profissão tão alienada e brutalizada, que não conseguem de fato
cumprir a função que a sociedade espera delas. Brutalizados e treinados para
enxergar inimigos em todo e em todos, os “soldados da pátria” estão sempre
prontos a matar e a morrer. Mesmo que nesses gestos não exista mesmo muito
sentido, afinal, pode haver explicação para se entregar a vida por causas onde
não há sentido?
Vandré
encerra seu discurso musical falando sobre o amor que os sujeitos das
transformações precisam dedicar à causa que resolveram abraçar. Segundo o
autor, tais agentes das transformações necessitam, acima de tudo, acreditar na
necessidade da libertação dos oprimidos. Eles têm ainda que conhecer a fundo a
origem da opressão do seu povo, para, a partir daí, formular um projeto
conseqüente, confiável e que realmente possa ser aplicado à causa libertadora.
E o autor
encerra seu discurso como a afirmar que o projeto de uma nova sociedade, por
não ser algo pronto nem acabado, precisa que seus autores e propositores sejam
pacientes e humildes o suficiente para estar constantemente aprendendo a lição
das necessidades do povo, enquanto ensina a esse povo uma nova lição: a lição
libertadora."
Autoria: José Eduardo Bastos
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