A
partir do século XII, a sociedade viveria o auge do modelo feudal. Mas também
assistiria ao inicio de sua desintegração. Este período marcado por amplas
transformações nos aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais da vida
européia é chamado de Baixa Idade Média.
A sociedade na Baixa Idade Média
permanecia dividida em três categorias. Na primeira situavam-se aqueles que
faziam a intermediação entre os homens e Deus, missão especial e de grande
estima para a época: o clero. Seguiam-se os que combatiam, encarregados da
proteção dos feudos, dos fracos e das mulheres: a nobreza leiga. Enfim,
encontravam-se na terceira categoria os servos, camponeses encarregados de
produzir o sustento das camadas privilegiadas, ligados à terra), os viIões
(trabalhadores sem vínculos e obrigações para com o senhor feudal) e os
comerciantes.
A base de sustentação das relações
sociais era fornecida pela religião cristã, para a qual o Pai, Filho e Espírito
Sto compõem uma divindade una. De maneira similar, a sociedade feudal via sua
unidade a partir dos laços entre suas três categorias sociais. É o que mostram
as palavras do bispo Adalberão, que viveu no século XI:
Na verdade, a ''Casa de Deus"
estava mais ampla, com novos aposentos, e mais bem cuidada. A começar pela
Igreja Católica, a mais poderosa das instituições medievais, a única a cobrir
toda o território e a obedecer a uma direção centralizada. Das fileiras dos
religiosos, que sabiam ler e- escrever em latim, haviam saído os quadros
administrativos a serviço dos reis e da alta nobreza. o mesmo tempo, os
mosteiros haviam preservado, parte da herança cultural da Antiguidade Clássica
e serviam de centros de ensino para os leigos. %a Baixa Idade Média, porém, a
ligação entre a igreja e a cultura passou a ser afirmada não apenas nos
mosteiros, mas também num novo tipo de instituição de ensino: a universidade.
Ligados à Igreja em sua grande maioria, os professores dariam origem, no fim da
Idade Média, a uma nova categoria social, a dos intelectuais. Coube a eles
esboçar o que seria uma das tarefas mais árduas dos humanistas: desvincular a
razão da fé.
Os senhores feudais, por sua vez,
desfrutavam na "Casa de Deus" uma vida cada vez mais confortável.
Viviam nos castelos juntamente com a mulher, filhos legítimos e ilegítimos,
parentes e agregados.
Existem
registros de mulheres que chegaram a exercer os direitos de um senhor feudal,
geralmente quando viúvas e tutoras dos filhos menores. Nesse caso, tornavam-se
responsáveis pela extensão de seus domínios. Mas o aspecto dominante era a
sujeição da mulher, defendida igualmente pela igreja e pela aristocracia
medievais. 0 casamento geralmente se realizava em função da conveniência
masculina, quase não tendo relação com o amor. Enquanto para as moças de
família nobre o valor estava no recato e na submissão, para os cavaleiros
medievais a honra, a bravura e o heroísmo constituíam qualidades
indispensáveis. Como as crianças, as mulheres eram consideradas incapazes por grande
parte dos homens. Essa visão masculina com relação à mulher resultava do receio
dos homens em face do adultério e de prováveis magias, que poderiam levá-los à
impotência, fatores que transformavam, muitas vezes, o momento no leito
conjugal numa "guerra dos sexos"
Ocupantes
dos mais humildes aposentos da "Casa de Deus", os servos e vilões
eram vistos com desprezo pelas demais categorias sociais, ainda que estas
reconhecessem o caráter imprescindível do seu trabalho. Os camponeses geravam a
renda que sustentava a nobreza e o clero, e suas mulheres e filhas, além de
desempenharem tarefas domésticas e no campo, podiam ser obrigadas a prestar
serviços na casa do senhor. Mesmo assim, suas condições de vida eram bem
melhores que as dos escravos da Antiguidade. 0 servo medieval tinha liberdade
para casar, constituir família, ser proprietário de ferramentas de trabalho e
utensílios pessoais. Por meio de posse útil da terra, podia produzir alimentos
para o próprio sustento e, em alguns casos, podia deixar herdeiros. Não poucas
vezes produzia fibras vegetais e animais que sua família tecia, fabricando
roupa de cama, vestuário e sacaria.
Embora
a sociedade feudal costume ser associada a um período histórico marcado pelo
retrocesso tecnológico, inovações técnicas importantes vieram tornar mais
rentável e menos penoso o trabalho do campesinato medieval. Entre elas está à
invenção da charrua uma espécie de arado mais eficiente, a reestruturação do
moinho hidráulico e o desenvolvimento de novas formas de atrelar os animais, o
que aumentou o poder de tração. Também foi difundida a prática da rotação de
culturas segundo a qual parte da terra ficava em pousio, para que não se
esgotassem os nutrientes do solo. As conseqüências dessas inovações formam
significativas, acompanhando o crescimento demográfico e gerando excedentes
para uma atividade comercial cada vez mais intensa.
Embora
a vida econômica da Idade Média baseasse principalmente na produção cola de
subsistência, não faltaram, nesse período, habilidade técnica, economia de
mercado e produção de excedentes. Isso quer dizer o sistema feudal não se
mostrou incompatível com o comércio e a indústria. Ao contrário, desde os
primórdios do período medieval, comerciantes e artesãos asseguraram, ainda que
em bases precárias, a produção e a circulação de bens entre os domínios
senhoriais. Essas pessoas habitavam os burgos, lugares fortificados que
impulsionaram a retomada da vida urbana. 0 estilo de vida dos burgueses
mostrava-se bem diferente daquele que ocorria dentro dos feudos, e suas
atividades estariam entre os fatores responsáveis pela destruição do próprio
sistema feudal.
De
início, os burgos surgiram em pontos estratégicos dos feudos e permaneceram sob
controle dos nobres. Mas logo tiveram condições de comprar sua autonomia - e o
desenvolvimento econômico foi acelerado no ritmo do desenvolvimento da vida
urbana. Em meados do século XII, uma cidade como Paris, capital do reino da
França, ainda continha espaços abertos que podiam ser utilizados para a
produção de alimentos. Cem anos depois, antigos núcleos de origem romana haviam
sido revitalizados, muitos burgos haviam se transformado em cidades importantes
e as atividades de seus habitantes, os burgueses, ganhavam um espaço físico,
econômico e social cada vez maior.
As
indústrias manufatureiras (indústria aqui entendida como um conjunto das
atividades que participam da fabricação de produtos manufaturados a partir de
matérias-primas) se expandiram nesse período em resposta às necessidades de
vestuário, moradia e às exigências das constantes guerras. O crescimento
populacional também incentivou a procura de maior conforto entre as classes
mais ricas, bem como a construção e a reformadas igrejas, que aumentaram
consideravelmente após o século XI. As doações dos burgueses para as obras
religiosas foram feitas, muitas vezes, em troca de recompensa espiritual. Eles
também pretendiam, com isso, neutralizar a oposição do clero católico às suas
atividades: além de se dedicar ao comércio, os burgueses também emprestavam
dinheiro a juros, contrariando as normas da Igreja Católica que proibiam a
usura. As generosas doações não impediram, porém, que a Igreja medieval visse
com suspeita os comerciantes e perseguisse ativamente os não-cristãos, isto é,
os judeus.
A
partir de meados do século XIII, com o aparecimento de banqueiros, cambistas e
usurários das mais variadas origens, ocorreu uma expansão de crédito, o que
veio favorecer as atividades comercial e industrial, nitidamente urbanas.
Desenvolveram-se também o comércio marítimo e o terrestre, realizados a curta
ou longa distância. 0 comércio marítimo de cabotagem ou navegação costeira pode
ser caracterizado como de curta distância, pois, na época, os oceanos
permaneciam praticamente desconhecidos dos navegadores. 0 comércio terrestre se
realizava ora em mercados locais (comércio de curta distância) ora em feiras
periódicas ou fixas, as quais atraíam caravanas de mercadores de toda a Europa.
Os caminhos também passaram a ser trilhados por pessoas de todas as origens,
que buscavam a salvação através de peregrinações aos grandes centros religiosos
do período medieval: Roma, na península Itálica, e Santiago de Compostela, no
norte da Espanha.
O
mundo do trabalho também assistiu a transformações importantes durante a Baixa
Idade Média. Nos domínios dos senhores, foram abolidas algumas obrigações
servis e os camponeses, principalmente após o século XII, passaram a exigir
pagamento em dinheiro ou em parte do excedente agrícola. Alguns deles
conseguiram obter rendas vendendo seus excedentes nos mercados locais, enquanto
outros abandonaram as lavouras e se especializaram na produção industrial e no
comércio.
Nos
burgos, desenvolveram-se as corporações de ofício. Responsáveis pela
organização e distribuição de determinados produtos industrializados, essas
associações típicas da sociedade medieval reuniam profissionais do mesmo ramo,
desde os mestres de perícia reconhecida até os aprendizes.
Entre
as atribuições das corporações de ofício estava a de evitar a concorrência
entre os artesãos locais e os de outras cidades. Para tal, fixavam o preço do
produto, controlavam a qualidade das mercadorias, a quantidade de
matérias-primas necessárias à indústria e os salários dos produtores.
Todas
essas mudanças provocadas pelo incremento comercial, industrial e urbano
provocam o confronto entre as visões de mundo dos senhores feudais, por um
lado, e dos comerciantes e artesãos, por outro lado. A questão da riqueza
talvez tenha sido um dos maiores pontos de controvérsia. A riqueza, para um
senhor feudal, apesar de não estar unicamente relacionada à terra, se associava
ao número de seus vassalos diretos, só é, dependentes e agregados que viviam
dentro de suas propriedades. já para a burguesia, riqueza significava poupança
e investimentos adquiridos com a administração de seus bens. Para os nobres,
tudo isso era sinônimo de avareza.
As
cruzadas consistiram em expedições guerreiras estimuladas pelo papado com
vistas à conquista da Terra Santa, isto é, dos lugares da Palestina nos quais
Jesus viveu e que há séculos estavam sob o domínio muçulmano. Foram convocadas
no século XI pelo papa Urbano lI, em nome de um projeto de união da Cristandade
contra os "infiéis", detentores dos Lugares Santos e em ofensiva
contra os povos cristãos do Oriente. Os que delas participavam eram chamados de
cruzados; receberam da Igreja de Roma uma indulgência especifica, ou seja, o
perdão de seus pecados caso partissem para a Terra Santa. Apesar de
inferiorizados numericamente, os participantes da Primeira Cruzada (1096) conseguiram
paralisar a pressão muçulmana sobre os territórios bizantinos e conquistar
Jerusalém e outros trechos da Síria e da Palestina, nos quais estabeleceram
Estados feudais, os chamados reinos francos ou latinos.
Mas
o êxito dos europeus teria curta duração. Sob a liderança do sultão Saladino,
os muçulmanos derrotaram os cruzados em 1187 e reconquistaram Jerusalém. Os
reinos latinos ficaram reduzidos a alguns trechos litorâneos da Palestina e da
Síria. Outras expedições dos cruzados - consideraram mais lucrativo saquear os
domínios bizantinos, em vez de se deslocarem até a Terra Santa para enfrentar
os muçulmanos.
As
cruzadas exerceram forte influência na evolução da civilização européia. Essas
empresas militares favoreceram o enriquecimento dos comerciantes que,
aproveitando-se das viagens, foram criando novas oportunidades de comércio. Por
outro lado, a crescente necessidade de transportar os peregrinos propiciara
novos investimentos na conspiração naval e na indústria de bens de consumo. Não
se pode, entretanto, exagerar a importância dessas expedições. Segundo o
historiador Hilário Franco Júnior.
Uma
das conseqüências das cruzadas foi o contato entre os cruzados e outras
civilizações como os bizantinos e os muçulmanos. Obras de ciência e filosofia
greco-romana, desaparecidas na Europa ocidental, voltaram a se tornar
conhecidas a partir de sua tradução para o árabe. E a influência cultural árabe
se estendeu a muitos outros campos, das táticas de combate à culinária, com a
introdução das especiarias e outros temperos orientais.
Outro
aspecto resultante dessas expedições foi o fortalecimento político e econômico
da Igreja de Roma, impulsionadora das cruzadas' à custa da Igreja de
Constantinopla, associada ao debilitado Império Bizantino.
No decorrer dos séculos XIV e XV, a
economia da Europa ocidental passou por uma violenta depressão, após um longo
período de prosperidade. Ao mesmo tempo, os europeus começaram a ver o mundo de
um modo diferente, questionando a ordem feudal. Associada à crise de retração econômica,
a mudança de mentalidade contribuiu para profundas modificações políticas,
econômicas, sociais e culturais, que acabaram resultando no colapso de muitas
das estruturas do sistema em vigor.
Entre
as causas da retração, podemos citar de início os efeitos da Peste Negra,
introduzida na Europa por volta de 1348. Provavelmente de origem oriental, a
peste foi responsável pela morte de milhares de pessoas. Acredita-se que um
quarto da população européia tenha sido dizimada, provocando desorganização a
produção e, com isso, a fome generalizada.
A
concentração urbana e a falta de higiene foram agentes facilitadores na
propagação da epidemia. Grande quantidade de lixo ficava espalhada pelas
cidades medievais e o esgoto corria pelas ruas, contribuindo para a
disseminação da doença.
As
secas, a diminuição da produção agrícola (devido à morte e à fuga dos
camponeses para as cidades) e a fome agravaram ainda mais a situação. A
escassez de mão-de-obra nos campos levou os senhores a tomar medidas
restritivas no sentido de dificultar, cada vez mais, a saída dos servos dos
feudos. Iniciou-se um processo de endurecimento nas relações entre senhores e
camponeses em diversas regiões da Europa.
A
plebe rebelou-se contra a ordem feudal em levantes como as dos jornaleiros em
Flandres (1323-1328) e as revoltas camponesas (também conhecidas como
jacqueries, em referência às rebeliões do campesinato francês). Tais movimentos
ameaçaram a própria sobrevivência da nobreza e do clero. Foram reprimidos com
extrema ferocidade.
Enquanto as revoltas camponesas
sucediam-se apesar da repressão, nas cidades cresciam as diferenças entre os
ricos mercadores e os mestres das corporações, que tentavam limitar o
crescimento comercial, controlando desde a etapa da produção das mercadorias
até o preço final do produto. Outro fator ligado à crise localizou-se no
comércio internacional. Os produtos orientais difundidos pelas cruzadas
alcançavam altos preços, em boa parte devido à existência de grande número de
intermediários entre o Oriente e as praças de comércio no Ocidente.
A
crise generalizada obrigou as várias categorias sociais a buscar uma resposta.
A dos oprimidos do campo e da cidade foram as jacqueries. A da nobreza foram os
conflitos dinásticos como a Guerra dos Cem Anos, por exemplo, quando em 1340,
ingleses e franceses iniciaram um longo período de confronto alternado por
tempos de combates e de tréguas em meio a rebeliões camponesas e à mortandade
causada pela peste.
Outra
resposta, apoiada pela burguesia comercial, se baseava no fortalecimento do
poder dos reis para restabelecer a ordem e a abertura de novos mercados. Para
algumas nações, isso implicava uma política de expansão marítima. Esse projeto
atraiu muita gente das cidades que não pertencia às fileiras dos burgueses ricos,
aventureiros que sonhavam em conhecer novas terras, ver de perto as maravilhas
descritas por Marco Polo e outros viajantes e, ao mesmo tempo, fazer fortuna
nessas regiões exóticas. Todos os sonhos pareciam possíveis, na mesma medida em
que a natureza e a sociedade já não pareciam tão sem surpresas, tão definidas e
imutáveis. Os novos atores, movidos pela curiosidade e pela conjuntura,
fervilhando de descobertas e possibilidades, não conseguiam - e nem tentaram -
evitar os choques com a velha ordem nobiliárquica e eclesiástica.
Os
presságios de uma nova ordem estavam a caminho. Em breve a "Europa do
latim" deixaria de existir.
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