A
Idade Média é a matriz da civilização Ocidental cristã. Daí, diante da crise
atual dessa civilização, a necessidade de se voltar às origens, de refazer o
caminho, de identificar os problemas. Enfim, de se conhecer a Idade Média para
se compreender melhor o século XX.
Sobre
a passagem da Antiguidade para a Idade Média, boa parte da historiografia
prefere enfatizar os pontos comuns, os prolongamentos. Mas entre Idade Média e
Idade Moderna, por muito tempo não se hesitou em aceitar quase unanimemente que
foi uma ruptura. Só mais recentemente passou a se negar a pretensa oposição
Medievalidade-Modernidade. No entanto, isso é feito ainda de forma tímida, mais
em relação ao Renascimento do que aos outros movimentos históricos “modernos”.
Hesita-se ainda em admitir que as estruturas modernas são, no fundamental,
medievais.
De
início, notemos que na verdade as especificidades “modernas” são apenas
quantitativamente diferentes das “medievais”. Porém, como no período de
transição, 1450-1550, as mudanças se sucederam com uma rapidez espantosa para
seus contemporâneos, essa impressão acabaria por marcar a historiografia por
muitos séculos. Foi um caso de u
testemunho do século XV, incitando os homens de então a “exaltar a Deus por
permiti-lhes ter nascido nessa nova era, tão cheia de esperança e promessa”.
Não se percebia que apesar de o ritmo histórico ter-se acelerado, a essência
era a mesma.
Os
quatros movimentos que se convencionou considerar inauguradores da Modernidade;
Renascimento, Protestantismo, Descobrimentos, Centralização; são de fatos
medievais. O primeiro deles, o Renascimento dos séculos XV-XVI, recorreu a
modelos culturais clássicos, que a Idade Média conhecera e amara, como
individualismo, racionalismo, empirismo, neoplatonismo, humanismo, que estavam
presentes na cultura ocidental pelos menos desde princípios do século XII.
De
maneira bastante ampla, talvez possamos dizer que aquilo que não se fez na
Idade Média não se poderia fazer na Idade Moderna. Aquela gerava, esta
desenvolvia. Tanto que, superado o momento da transição e já dentro da Idade
Moderna Clássica (séculos XVII-XVIII); o chamado Antigo Regime; é ainda
essencialmente a Idade Média que encontramos. De fato, os três elementos que
constituem o Antigo Regime (monarquia absolutista, sociedade estamental,
capitalismo comercial) tinham raízes nos séculos anteriores. Mais uma vez, a
essência é medieval, a roupagem moderna.
No
entanto, se olharmos para o esqueleto e não apenas para a nova face e as novas
roupagens do Ocidente dos séculos XIX-XX, outra vez encontraremos muito da
Idade Média. Basta observar que as características que a civilização ocidental
atualmente se atribui; democracia no plano político-social, racionalismo no
econômico-científico, universalismo no mental-cultural; tem origens medievais.
É verdade que há tendência a se acreditar aqueles caracteres a outros momentos
históricos (Grécia Clássica, Modernidade), mas tal se deve ao enraizamento do
preconceito em relação à Idade Média. Por exemplo, a democracia ocidental é
muito mais medieval do que grega. Esta, é claro, era produto de pequenas
cidades-Estado, de reduzida população no exercício da cidadania, o que permitia
uma participação direta no processo político decisório. Os Estados Nacionais
contemporâneos, de área e população cidadã muito maiores, baseiam-se no esquema
contratual e representativo nascido nas monarquias feudais. Sabemos que o rei
feudal tinha um duplo caráter, de soberano e suserano. O primeiro, de origens
antiqüíssimas, atribuía-lhe poderes sagrados, portanto imensos. O segundo, de
origem germânica, implicava uma relação bilateral, com o rei estando
subordinado ao direito consuetudinário do seu povo, e com os vassalos tendo o
“direito de resistência” no caso de ele desrespeitar aquela relação.
A
superioridade tecnológica, cientifica e econômica que o mundo ocidental
ostentava claramente, desde o século XVII, é resultante de diversos fatores, a
maioria dos quais de origem medieval. Na base, está a visão racionalista do
universo, produto da conjugação da filosofia grega com a concepção cristã de
Deus. Por sua vez, tal conjugação foi possível por ir ao encontro da estrutura
mental básica da Idade Média que, via o universo como uma globalidade. Assim,
aceitando a existência de uma unidade cosmológica, o homem medieval via todas
as coisas ligadas entre si.
Concluindo,
ainda que popularmente pouco entendida, a Idade Média está presente até mesmo
no cotidiano dos povos ocidentais, mesmo daqueles que, como nós na América, não
tiveram um “período medieval”. Mas falamos idiomas surgidos naquela época,
temos ou pretendemos ter governos representativos, consideramos indispensáveis
instituições como julgamento por júri e habeas-corpus, alcançamos maior
eficiência com o sistema bancário, a contabilidade e o relógio mecânico, cuidamos
do corpo com hospitais e óculos, alimentamos melhor o espírito graças à notação
musical, à imprensa e às universidades, embelezamos a vida com a música
polifônica e os romances.
parabéns pelo blog professor... está com textos realmente muito bem escritos...
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