domingo, 1 de abril de 2012

O Pensamento Medieval.


A Idade Média é a matriz da civilização Ocidental cristã. Daí, diante da crise atual dessa civilização, a necessidade de se voltar às origens, de refazer o caminho, de identificar os problemas. Enfim, de se conhecer a Idade Média para se compreender melhor o século XX.
Sobre a passagem da Antiguidade para a Idade Média, boa parte da historiografia prefere enfatizar os pontos comuns, os prolongamentos. Mas entre Idade Média e Idade Moderna, por muito tempo não se hesitou em aceitar quase unanimemente que foi uma ruptura. Só mais recentemente passou a se negar a pretensa oposição Medievalidade-Modernidade. No entanto, isso é feito ainda de forma tímida, mais em relação ao Renascimento do que aos outros movimentos históricos “modernos”. Hesita-se ainda em admitir que as estruturas modernas são, no fundamental, medievais.
De início, notemos que na verdade as especificidades “modernas” são apenas quantitativamente diferentes das “medievais”. Porém, como no período de transição, 1450-1550, as mudanças se sucederam com uma rapidez espantosa para seus contemporâneos, essa impressão acabaria por marcar a historiografia por muitos séculos. Foi um caso de u  testemunho do século XV, incitando os homens de então a “exaltar a Deus por permiti-lhes ter nascido nessa nova era, tão cheia de esperança e promessa”. Não se percebia que apesar de o ritmo histórico ter-se acelerado, a essência era a mesma.
Os quatros movimentos que se convencionou considerar inauguradores da Modernidade; Renascimento, Protestantismo, Descobrimentos, Centralização; são de fatos medievais. O primeiro deles, o Renascimento dos séculos XV-XVI, recorreu a modelos culturais clássicos, que a Idade Média conhecera e amara, como individualismo, racionalismo, empirismo, neoplatonismo, humanismo, que estavam presentes na cultura ocidental pelos menos desde princípios do século XII.
De maneira bastante ampla, talvez possamos dizer que aquilo que não se fez na Idade Média não se poderia fazer na Idade Moderna. Aquela gerava, esta desenvolvia. Tanto que, superado o momento da transição e já dentro da Idade Moderna Clássica (séculos XVII-XVIII); o chamado Antigo Regime; é ainda essencialmente a Idade Média que encontramos. De fato, os três elementos que constituem o Antigo Regime (monarquia absolutista, sociedade estamental, capitalismo comercial) tinham raízes nos séculos anteriores. Mais uma vez, a essência é medieval, a roupagem moderna.
No entanto, se olharmos para o esqueleto e não apenas para a nova face e as novas roupagens do Ocidente dos séculos XIX-XX, outra vez encontraremos muito da Idade Média. Basta observar que as características que a civilização ocidental atualmente se atribui; democracia no plano político-social, racionalismo no econômico-científico, universalismo no mental-cultural; tem origens medievais. É verdade que há tendência a se acreditar aqueles caracteres a outros momentos históricos (Grécia Clássica, Modernidade), mas tal se deve ao enraizamento do preconceito em relação à Idade Média. Por exemplo, a democracia ocidental é muito mais medieval do que grega. Esta, é claro, era produto de pequenas cidades-Estado, de reduzida população no exercício da cidadania, o que permitia uma participação direta no processo político decisório. Os Estados Nacionais contemporâneos, de área e população cidadã muito maiores, baseiam-se no esquema contratual e representativo nascido nas monarquias feudais. Sabemos que o rei feudal tinha um duplo caráter, de soberano e suserano. O primeiro, de origens antiqüíssimas, atribuía-lhe poderes sagrados, portanto imensos. O segundo, de origem germânica, implicava uma relação bilateral, com o rei estando subordinado ao direito consuetudinário do seu povo, e com os vassalos tendo o “direito de resistência” no caso de ele desrespeitar aquela relação.
A superioridade tecnológica, cientifica e econômica que o mundo ocidental ostentava claramente, desde o século XVII, é resultante de diversos fatores, a maioria dos quais de origem medieval. Na base, está a visão racionalista do universo, produto da conjugação da filosofia grega com a concepção cristã de Deus. Por sua vez, tal conjugação foi possível por ir ao encontro da estrutura mental básica da Idade Média que, via o universo como uma globalidade. Assim, aceitando a existência de uma unidade cosmológica, o homem medieval via todas as coisas ligadas entre si.
Concluindo, ainda que popularmente pouco entendida, a Idade Média está presente até mesmo no cotidiano dos povos ocidentais, mesmo daqueles que, como nós na América, não tiveram um “período medieval”. Mas falamos idiomas surgidos naquela época, temos ou pretendemos ter governos representativos, consideramos indispensáveis instituições como julgamento por júri e habeas-corpus, alcançamos maior eficiência com o sistema bancário, a contabilidade e o relógio mecânico, cuidamos do corpo com hospitais e óculos, alimentamos melhor o espírito graças à notação musical, à imprensa e às universidades, embelezamos a vida com a música polifônica e os romances. 

Um comentário:

  1. parabéns pelo blog professor... está com textos realmente muito bem escritos...

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