domingo, 22 de abril de 2012

A Formação dos Estados Modernos Europeus.


O Estado, por sua vez, não é definido com precisão por nenhuma norma ou padrão. Por todo o mundo, os Estados nacionais surgiram em momentos históricos diferentes, aproveitando-se de situações peculiares e sofrendo influências múltiplas internas e/ou externas. Analogamente, suas funções se modificaram ao longo do processo histórico. De forma abrangente, podemos denominar o Estado como um organismo político-administrativo que, como Nação soberana ou divisão territorial, ocupa um território determinado, é dirigido por governo próprio e se constitui pessoa Jurídica de direito público internacionalmente conhecida.
             A organização dos Estados nacionais na modernidade foi motivada por diversos acontecimentos importantes que faziam parte do contexto histórico europeu, na transição do sistema feudal para uma sociedade de ordem burguesa. É certo que nem toda Europa participou igualmente dessas transformações.
             O atual Estado italiano, apesar de pioneiro no desenvolvimento cultural ligado às artes e letras, permaneceu fragmentado até o século XIX. Nos Estados que hoje integram a Alemanha, por sua vez, ocorreu pioneiramente um movimento reformista que rompeu a unidade religiosa européia, mas que não se propôs ou preferiu adiar a consolidação do Estado nacional.
             Um dos sentimentos dominantes entre os povos no século XIV foi o desejo de estreitar os laços da língua, para que pudessem exprimir, com as mesmas palavras, as mesmas maneiras de sentir e pensar. O Renascimento iniciado na Itália forneceu esse suporte lingüístico, que muito contribuiu para a evolução do Estado nacional. A hegemonia de uma língua nacional acabou com a fragmentação associada aos inúmeros dialetos regionais. Assim, através das pesquisas lingüísticas e filosóficas dos humanistas do Renascimento, foi possível a constituição dos diversos idiomas nacionais, responsáveis por um padrão unitário à administração, aos estatutos e à cultura de cada pais, dando-lhe unidade homogênea e identidade própria ou peculiar. Embora ainda estivessem distantes da sua forma ideal de organização política, a Itália e a Alemanha também almejavam por um idioma próprio.
             Se era tão importante uma língua nacional, não menos importante seria a possibilidade de uma Igreja Nacional capaz de se contrapor à universalidade da Igreja Católica. Isso tornou-se possível a partir da Reforma Protestante, responsável pelo surgimento de Igrejas cristãs dissidentes que reduziram a autoridade espiritual dos papas e assentaram um golpe decisivo nas suas pretensões de disputar aos reis o poder temporal. Manifestou-se desde o século XIV, no Ocidente, o anseio por uma espécie de nacionalismo eclesiástico, ou seja, o desejo de uma religião nacional, para que os príncipes pudessem dirigir, a seu modo, os cleros nacionais.
             A questão religiosa na Idade Moderna gerou polêmicas, e, em alguns casos, levou ao rompimento com o clero católico. Foi o que aconteceu na Inglaterra no século XVI com a Reforma de Henrique VII I. Em Portugal e na Espanha, porém, tornou-se possível o estabelecimento de um Estado de compromisso, no qual se uniram os interesses temporais e espirituais
             A idéia de Nação estava vinculada à necessidade de apoiar a soberania do príncipe, vital para a construção de um Estado forte e competitivo, pronto para justificar as decisões mais graves da política exterior. Tal concepção fez aumentar a necessidade de estabelecer fronteiras precisas entre um reino e seus vizinhos, pois o Estado deixava de ser um agregado de feudos para se tornar "nacional", algo com que todos se identificavam. Geralmente os limites eram fixados ao longo dos rios, mas também houve fronteiras determinadas por linhas imaginárias. As fronteiras marítimas, principalmente após as grandes navegações, tornaram-se uma questão de Estado, muitas vezes sofrendo a interferência do poder espiritual. Um exemplo é o Tratado de Tordesilhas (1494), que dividiu a América entre portugueses e espanhóis, sob os olhos atentos do papa Alexandre Vi.
             O Estado unificado representou a consonância entre o rei e a comunidade nacional, tornando-se a própria base para o pleno desenvolvimento socioeconômico. O termo comunidade nacional é usado aqui também no pior sentido, no sentido do preconceito: uma comunidade na qual o estrangeiro é visto com desconfiança ou abertamente hostilizado como indesejável. Por exemplo, no fim da Idade Média, artesãos holandeses sofreram perseguições na Inglaterra e os judeus da Alemanha foram vítimas de violentas manifestações de xenofobia, responsabilizados em algumas regiões pela difusão da Peste Negra.
             Judeus e estrangeiros não foram os únicos a conhecer a repressão. O interesse em conter as massas camponesas, que, estimuladas pelo desenvolvimento comercial, buscavam novas oportunidades de trabalho nas cidades, fazia com que burgueses e nobres se preocupassem em organizar novas estruturas políticas. A burguesia via num Estado nacional centralizado e forte a possibilidade de incentivar a economia mercantil, enquanto seus aliados da nobreza acreditavam que a nova ordem política poderia significar um aparelho mais forte de dominação, contra as rebeliões camponesas e outras manifestações "plebéias" de mudanças.
             Em resumo, para a sociedade européia ocidental do século XIV, a unidade nacional parecia ser a palavra de ordem. Exército nacional, moeda única, território demarcado, língua e cultura, administração única, enfim, um caldeirão de sentimentos nacionais borbulhava na Europa ocidental, anunciando a grave crise do sistema feudal que se tornaria irreversível no século seguinte.
             A exacerbação dessa crise favoreceu o surgi mento dos Estados modernos, governados por monarquias nacionais. Em alguns casos, estas assumiram um caráter absolutista. Foi o que
aconteceu, por exemplo, na França, em Portugal e na Espanha.
             Nos países ibéricos, o desenvolvimento da burguesia e das atividades econômicas mercantis e industriais favoreceu a implantação do regime absolutista, uma vez que os conflitos existentes entre os nobres e os comerciantes exigiram a instalação imediata de uma nova ordem política.
             Foi necessário, porém, que nenhum desses elementos se opusesse radicalmente ao poder de intermediação dos príncipes. Mercadores nas cidades e nobres nos campos de certa forma tiveram que estabelecer diferentes alianças com o monarca para a manutenção da ordem. O rei garantia a tranqüilidade política e social, arbitrava conflitos de interesses no seio das camadas privilegiadas, e com isso edificava sua superioridade.
             Os historiadores Christopher Hill e Renê Rémond analisam a monarquia inglesa como um caso peculiar, específico, devido ao modo pelo qual se organizou o poder político no país após o século XII, com a assinatura da Carta Magna (1215).
             Estatuto político tipicamente feudal, a Magna Carta não pretendia ser um documento popular, no sentido de garantir liberdades ao cidadão comum. Ela estabelecia os limites do poder real, fixando os direitos e deveres da monarquia e de seus vassalos da alta nobreza. Mas seu alcance acabou sendo estendido quando foi instituído o Parlamento na Inglaterra, no século XIII.
             O Parlamento era composto pela Câmara dos Lordes, que reunia nobres leigos e eclesiásticos, estes escolhidos pelo rei, e pela Câmara dos Comuns, na qual elementos da baixa nobreza (gentry) eram eleitos por voto censitário (voto vinculado às propriedades que possuía o eleitor). As duas Câmaras passaram a exercer funções legislativas, bem como a controlar a cobrança dos tributos do Estado.
             O modelo de Estado nacional que se desenvolveu na Inglaterra entre os séculos XIII e XVII permanece objeto de discussão. Diferentes correntes historiográficas apresentam a monarquia inglesa ora como absolutista ora como aristocrática autoritária. A discussão gira em torno da divisão dos poderes, uma vez que, para alguns historiadores, os poderes Executivo, Legislativo e judiciário não se concentravam nas mãos do soberano.
             Do outro lado do canal da Mancha, porém, não havia dúvidas. O Estado francês se constituía no modelo clássico para o estudo do absolutismo europeu. Segundo o historiador Marcos Antônio Lopes, "ao conjunto da Europa ocidental, a França desponta não somente como a maior e mais povoada, mas também como a mais solidamente centralizada nação européia". Tal estado de coisas estimularia as reflexões de alguns dos mais respeitados pensadores políticos da modernidade
             A manipulação do imaginário social, para a construção da imagem daquele que irá ocupar o poder, é particularmente importante. Na maioria das vezes, não basta mostrar apenas a verdade. Os responsáveis pela representação "gráfica" dos candidatos, ou seja, os marketeiros políticos tinham de convencer o eleitor.
             Em certa medida, funções semelhantes às dos marketeiros contemporâneos foram exercidas na modernidade pelos teóricos do absolutismo. Eles justificavam o poder dos reis baseados em teorias filosóficas que certamente refletiam o desejo de camadas sociais interessadas na manutenção da autoridade centralizada. Mas, na verdade, esses pensadores fizeram mais do que "vender" a imagem da realeza. Eles empreenderam uma profunda reflexão sobre o Estado e a política, procurando chegar a conclusões acerca do modelo ideal de Nação e de poder.
             O florentino Nicolau Maquiavel (14691527) introduziu dois conceitos importantes para o pensamento político moderno, Virtú e Fortuna. Virtude era para Maquiavel a capacidade de o governante escolher a melhor estratégia para a ação de seu governo, enquanto Fortuna remetia às contingências às quais os homens estão submetidos. Um bom governante seria aquele que, com sabedoria, soubesse combinar Virtude e Fortuna, sem priorizar uma ação em detrimento da outra. Para alcançar a plenitude na política, os reis teriam que ter autonomia, não sendo tutelados por nenhuma instituição, livres inclusive do poderio da Igreja Católica.
             Juntamente com Maquiavel, o inglês Thomas Hobbes (1588-1679) é um dos principais representantes da Teoria do Contrato Social. A partir da expressão "o homem é o lobo do homem" (homo homini lúpus), Hobbes justificou a necessidade de a sociedade civil ser organizada politicamente para sair do estado de natureza, que para ele era sinônimo de caos. O estado de natureza, segundo Hobbes, era uma situação em que os homens viviam em sociedade apenas por questões de sobrevivência, por necessidades vitais, não por se sentirem seres sociais. Hobbes sustentava que sem um governo forte e capacitado os homens não respeitariam os limites necessários para uma boa convivência social. O caos estaria sempre presente no cotidiano das pessoas.
             Sendo assim, a sociedade abdicaria de seus direitos em nome do rei, capaz de manter a ordem social e por conseqüência a segurança nacional. Para Hobbes, autor de leviatã, o Estado seria então um mal necessário, porém capacitado a assegurar um comportamento social mais pacífico dos membros da sociedade. Ele considerava o Estado um monstruoso aparato administrativo, que por meio de um Contrato Social com a população poderia absorver o direito de resolver por ela, soberanamente, as questões do bem comum. Portanto, para escapar ao caos e ter assegurada a sobrevivência, o homem perderia a liberdade política.
             Discordando da teoria do Contrato Social, uma outra corrente de pensadores acreditava que a legitimação jurídica da monarquia perpassava pelas questões religiosas. Eles viam nos reis a expressão mais perfeita da autoridade delegada por Deus, e por isso falavam em monarquia por direito divino o trecho a seguir é de autoria do renomado teórico absolutista francês, Jacques Bossuet (1627-1704).
             Também adepto da teoria do direito divino dos reis, Jean Bodin (1530-1596) tornou-se conhecido como "Procurador Geral do Diabo" devido a sua incansável perseguição a feiticeiras e hereges. Bodin negava veementemente o direito à existência do Parlamento, sustentando que o órgão legislativo, diante de Deus, não possuía soberania para resolver qualquer questão, principalmente se em desacordo com o rei.
             Os processos de formação e consolidação dos Estados nacionais, variáveis em cada pais, sugerem que a linguagem política das monarquias no Antigo Regime variou na mesma proporção. Sendo assim, não podemos unificar as características, a política e a mentalidade dos reis da modernidade. Para cada Estado nacional ou forma monárquica é necessário dirigir um olhar. Existiram na realidade vários "Antigos Regimes". Mas a expressão Ancien Régime está associada à Revolução Francesa, usada em referência crítica ao absolutismo monárquico. O próprio uso generalizado dessa expressão mostra que a França monárquica ofereceu o modelo mais elaborado da centralização absolutista do pode.
             A imagem do rei como pai e protetor complementava a imagem do soberano poderoso, promotor do desenvolvimento econômico, e ajudava com isso a minimizar os conflitos sociais sob o Antigo Regime.
             Pela ótica do simbolismo, do imaginário, dos sentimentos e dos mitos é interessante observar o significado das práticas e representações políticas do Antigo Regime, principalmente na França, desde os primórdios da centralização do poder político até o seu esplendor no século XVII.
             O imaginário político na Idade Média mostrou-se importante para que a sociedade, na Idade Moderna, compreendesse o verdadeiro significado do rei no processo de consolidação dos Estados nacionais. Para os medievos, o poder político era rodeado de simbologias inquestionáveis, baseadas no misticismo.
             Séculos depois, a sagração do poder real na França conservava seu caráter mágico. A cerimônia ficava a cargo da Igreja, o que permite perceber claramente a intermediação entre as esferas secular e espiritual durante o Antigo Regime. Em geral era realizada na Catedral de Reirris. Naquele momento, toda a sociedade podia participar da comunhão que se oficializava entre o Sagrado e a Nação.
             Outro exemplo de ritual político é o ‘’Leito de Justiça", uma das quatro maiores cerimônias que compunham o cerimonial do Estado francês, desde o final da Idade Média. Era uma espécie de "guerra de rituais" travada no Parlamento de Paris, na qual a realeza se utilizava de toda complexidade do código cerimonial como instrumento de ofuscação e rebaixamento dos parlamentares.
             A relação entre a realeza e seus súditos que esses rituais expressam corresponde a uma analogia orgânica, na qual a figura do rei representa a cabeça do reino, e os súditos, os membros. É possível afirmar nesse instante que há o declínio expressivo da ordem política cristã, uma vez que a imagem da realeza apropria-se de certas funções pontifícias, anteriormente praticadas pelos mais altos representantes da Igreja.
             A imagem do rei, no período da transição do feudalismo para a sociedade burguesa, se associa à justiça, à virtude e à própria natureza da nação. O rei é o agente responsável pela manutenção da ordem, pela prosperidade da nação, pelas vitórias nas guerras, pelos êxitos culturais. A realeza passa a ser um conceito místico. Concepções medievalistas que se utilizavam da metáfora do esposo e da esposa - o amor de Cristo pela Igreja - são transferidas do espiritual ao secular, para definir a ligação entre Príncipe e Estado. O rei é o "esposo mítico" da República, aqui entendida como Estado.
             Durante a modernidade, o corpo do rei foi visto simbolicamente como se na verdade fossem dois corpos distintos. O primeiro representando o corpo físico, sujeito a sentimentos, paixões e morte. O segundo, o corpo político, cujos membros representariam os súditos, e a cabeça, o rei. Nesse corpo o rei estaria imune às manifestações humanas, inclusive à morte. No final do século XVIII, a Revolução Francesa empreenderia a crítica radical dessa e de outras concepções do Antigo Regime.

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