Até os primórdios da Idade Média, as
Sagradas Escrituras constituíam as fontes de conhecimento mais acatadas. Os
planetas conhecidos limitavam-se a Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, e
os cometas e estrelas, segundo se imaginava, não estavam muito distantes de
nós. As representações cartográficas diferiam da forma circular que conhecemos
hoje. Nos mapas, os compromissos com a proporção dos continentes eram relegados
a segundo piano mas os temas bíblicos estavam quase sempre presentes.
As
limitações da época foram responsáveis por erros consideráveis na descrição da
Terra, como os vinte e sete mapas mediterrâneos de Ptolomeu, astrólogo que
supunha que a África estava ligada por terra à Ásia, fechando o oceano Indico.
Acreditava-se na existência de um continente ao sul do oceano indico, e a Ásia
era mostrada bem mais a leste do que realmente está. Esse acervo cartográfico
foi utilizado por Cristóvão Colombo para comprovar a sua chegada às Índias.
É
verdade que cada expedição marítima melhorava as condições para a expedição
seguinte, testando aperfeiçoamentos técnicos e acumulando conhecimentos.
Objetos como o astrolábio, a bússola, quadrantes e portulanos (roteiros
descritivos de viagens) mostraram-se úteis para as grandes navegações. De modo
geral, porém, esses instrumentos levavam a conclusões imprecisas.
Até
a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), linha imaginária que passava a
370 léguas a ocidente de Cabo Verde, definindo terras a oeste pertencentes à
Espanha e a leste pertencentes a Portugal, a cartografia do Velho Mundo
praticamente se baseava nas teorias de Cláudio Ptolomeu. 0 conhecimento
cartográfico, a partir do século XV, passou a significar poder e múltiplas
vantagens para os Estados nacionais, como foi o caso dos portugueses, que no
final do século XV lideraram a confecção dos mapas. 0 conhecimento cartográfico
era segredo de Estado.
Com
seus mapas e portulanos, os navegantes portugueses ultrapassaram a barreira do
cabo Bojador, que segundo a tradição grega era o limite máximo para se navegar
sem o perigo de ser queimado ou engolido por um monstro marinho. A partir das
grandes navegações, os vínculos dos cartógrafos com a realidade os aproximaram
da representação matemática e geométrica do globo, criando especialistas cada
vez mais aptos a descrever e medir todo o planeta. Os mapas com seus ornamentos
apresentavam-se como um alicerce do conhecimento no qual se entrelaçaram as
imagens oníricas.
Posteriormente,
a visão aproximou-se do real, mas as alegorias e os valores ideológicos,
dominantes no período, permaneceram nos mapas da época moderna. Das aventuras
dos europeus no "mar tenebroso", como era denominado o Atlântico,
surgiram descrições interessantes a respeito do que ainda não era totalmente
conhecido.
Os
mapas apresentados na modernidade européia renascentista, centro da cultura
cristã, espelhavam-se na imagem criada pelo europeu. A posição saliente da
Europa ricamente vestida é uma mostra de como o Velho Mundo se via em relação
às outras partes do globo.
Vejamos
a América. É apresentada como uma região que desconhece as estruturas
políticas, de acordo com o significado da palavra para os europeus. A prática
do canibalismo, um hábito condenável pelos cristãos, também é evidenciada.
Houve
outras representações cartográficas nas quais a hegemonia cultural européia foi
um elemento emblemático bem definido.
Um
contraponto a essa visão eurocêntrica vem dos cartógrafos muçulmanos que
projetavam seus mapas adotando uma representação diferente daquela dos
europeus. Nessas cartas, o Oriente é privilegiado com relação à posição dos
continentes no globo terrestre.
Colombo
foi um dos primeiros navegadores a fantasiar a descoberta do que seria a
América. Acreditava que o seu empreendimento abriria as portas para o paraíso.
Em um trecho de uma de suas cartas afirmava. As Escrituras dizem que no paraíso
terrestre cresce a árvore da vida, e dela flui uma nascente que dá origem a
quatro grandes rios, o Ganges, o Tigre, o Eufrates e o Nilo. 0 paraíso
terrestre, que só se pode alcançar por vontade divina, fica no fim do Oriente.
É neste lugar que estamos". Essa concepção foi absorvida por inúmeros
cronistas e viajantes, principalmente espanhóis, que acreditaram na veracidade
de seus relatos.
Calejados
pelas não tão bem-sucedidas viagens pela África e Ásia, os portugueses
desconfiavam dessa chegada às índias e às portas do paraíso pelo oeste. De
qualquer modo, as expedições de Colombo, financiadas pela Espanha após a queda
de Granada, último reino muçulmano na península Ibérica (1491), acirraram as
disputas entre a Espanha e Portugal. Em 1497, Vasco da Gama partiu de Portugal,
nomeado pelo rei dom Manuel, comandando uma expedição que descobriu o caminho
marítimo para as índias. Contornando a costa oriental da África, chegou em
Moçambique, a seguirem Mombaça e finalmente em Melinde.
Em
1524, Vasco da Gama refez seu trajeto, implantando as bases para o domínio
português no oceano índico. No ano de 1519, os navegantes Fernão de Magalhães e
Francisco Antônio Pigaffeta, que também era escritor, haviam partido para a
primeira viagem de circunavegação, realizada sob a bandeira espanhola.
Dirigiram-se para o Atlântico sul, atingindo a passagem hoje conhecida como
estreito de Magalhães e prosseguiram pelo Pacífico. Fernão de Magalhães foi
morto em um conflito com os nativos das Filipinas. A viagem em torno da Terra
durou três anos e, pelo que consta, dos 237 homens a bordo dos cinco navios que
saíram da Espanha, apenas 18 voltaram. Pigaffeta, um dos sobreviventes dessa
aventura, foi responsável pelos relatos que comprovavam que a Terra era
redonda.
Pedro
Álvares Cabral, um nobre que se destacara na corte portuguesa como hábil
negociador, foi enviado especial de dom Manuel às índias em 1500, encarregado
de estabelecer contatos diplomáticos com os reis daquela região. Cabral aportou
na Terra de Santa Cruz, primeiro nome dado ao Brasil, e depois seguiu viagem
até a índia. Recebeu homenagens em Portugal ao regressar com a notícia de que
havia tomado posse das terras do Novo Mundo, ampliando as possessões lusitanas.
Exagero
ou não, de Camões a Ary Barroso, foram muitos os poetas e viajantes que
exaltaram a beleza e a exuberância do Brasil.
Em
linhas gerais, o projeto de expansionismo marítimo português e espanhol atendia
aos interesses de diversos grupos sociais e instituições que compunham a
sociedade ibérica, oferecendo-lhes uma saída para a retração econômica e outros
aspectos da crise da ordem feudal. As grandes navegações tiveram o apoio
financeiro de classes como a nobreza e a burguesia, interessadas na exploração
de outras terras e no alargamento do comércio, e também dos reis, desejosos de
encontrar novas fontes de renda. A Igreja, por sua vez, sonhava em conquistar
novos fiéis e em empreender seu trabalho de catequese em territórios virgens,
mas estes sonhos não se opunham à descoberta e à posse de novas riquezas. Muito
ao contrário: como escreveu Colombo numa carta, o ouro tinha a virtude de enviar
almas ao paraíso.
A
verdade é que a Europa do século XV sofria as conseqüências da escassez de
metais preciosos. A formação das monarquias nacionais e a expansão do comércio,
que em parte encontrava barreiras devido ao monopólio muçulmano, exigiam o aumento
da circulação monetária, insuficiente para atender às necessidades sociais. As
narrativas lendárias da existência de tesouros no além-mar aumentavam a cobiça
dos europeus, que pretendiam buscá-los a todo custo.
Entre
esses tesouros estavam as especiarias, tão necessárias para a conservação das
carnes e importadas da Ásia a peso de ouro. 0 hábito de comer carne se difundiu
pela sociedade européia no inicio da modernidade, e o mesmo aconteceu com o
consumo de certas drogas aromáticas como a canela, noz-moscada, pimenta e o
gengibre. 0 extraordinário aumento do preço das especiarias motivou os europeus
a buscar os condimentos nas suas origens, burlando o monopólio muçulmano. Os
portugueses foram os primeiros a chegar à Ásia. Voltaram com os porões dos navios
abarrotados de especiarias, que lhes proporcionaram uma riqueza inimaginável.
As
conquistas ultramarinas produziram grandes transformações tanto na Europa como
nas Américas. No final do século XVII, tais modificações eram sensíveis. A base
geográfica da Europa ocidental foi ampliada. O comércio tornou-se mundial,
deslocando o eixo econômico do Mediterrâneo para o Atlântico. Os italianos
perderam definitivamente o monopólio comercial, e o declínio das repúblicas
italianas acentuou-se. Portugal, Espanha, Inglaterra e França passaram a ocupar
papéis de destaque na economia da modernidade. 0 grande afluxo de metais
provenientes das colônias americanas que chegavam à Europa causava uma
verdadeira revolução nos preços dos produtos.
Os
europeus introduziram na América uma série de animais e plantas até então
desconhecidos pelos nativos: galinhas, cavalos, cabras, pombos, patos, ovelhas,
trigo, centeio, arroz, laranjeira, limoeiro, vinha. Técnicas européias baseadas
em movimentos circulares, muito utilizadas na moagem do açúcar brasileiro,
também foram importadas da Europa. As instituições políticas e a religião
católica igualmente acompanharam os conquistadores pelo Novo Mundo.
Até
certo ponto, a introdução desses elementos familiares vinha
"europeizar" uma paisagem perturbadora, tão diferente da que os
descobridores e colonizadores conheciam. Nativos que devoravam os prisioneiros
de guerra, animais exóticos, a própria exuberância da flora tropical geravam
espanto e temor. 0 que havia sido encontrado afinal, o jardim do paraíso ou as
portas do inferno? Todavia, o choque e o medo foram ainda maiores entre os
nativos do Novo Mundo. Aos olhos dos indígenas, os conquistadores
assemelhavam-se a figuras monstruosas montadas em outros monstros, os cavalos,
também desconhecidos.
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