O
Estado, por sua vez, não é definido com precisão por nenhuma norma ou padrão.
Por todo o mundo, os Estados nacionais surgiram em momentos históricos
diferentes, aproveitando-se de situações peculiares e sofrendo influências
múltiplas internas e/ou externas. Analogamente, suas funções se modificaram ao
longo do processo histórico. De forma abrangente, podemos denominar o Estado
como um organismo político-administrativo que, como Nação soberana ou divisão
territorial, ocupa um território determinado, é dirigido por governo próprio e
se constitui pessoa Jurídica de direito público internacionalmente conhecida.
A
organização dos Estados nacionais na modernidade foi motivada por diversos
acontecimentos importantes que faziam parte do contexto histórico europeu, na
transição do sistema feudal para uma sociedade de ordem burguesa. É certo que
nem toda Europa participou igualmente dessas transformações.
O
atual Estado italiano, apesar de pioneiro no desenvolvimento cultural ligado às
artes e letras, permaneceu fragmentado até o século XIX. Nos Estados que hoje
integram a Alemanha, por sua vez, ocorreu pioneiramente um movimento reformista
que rompeu a unidade religiosa européia, mas que não se propôs ou preferiu
adiar a consolidação do Estado nacional.
Um
dos sentimentos dominantes entre os povos no século XIV foi o desejo de
estreitar os laços da língua, para que pudessem exprimir, com as mesmas
palavras, as mesmas maneiras de sentir e pensar. O Renascimento iniciado na
Itália forneceu esse suporte lingüístico, que muito contribuiu para a evolução
do Estado nacional. A hegemonia de uma língua nacional acabou com a
fragmentação associada aos inúmeros dialetos regionais. Assim, através das
pesquisas lingüísticas e filosóficas dos humanistas do Renascimento, foi possível
a constituição dos diversos idiomas nacionais, responsáveis por um padrão
unitário à administração, aos estatutos e à cultura de cada pais, dando-lhe
unidade homogênea e identidade própria ou peculiar. Embora ainda estivessem
distantes da sua forma ideal de organização política, a Itália e a Alemanha
também almejavam por um idioma próprio.
Se
era tão importante uma língua nacional, não menos importante seria a
possibilidade de uma Igreja Nacional capaz de se contrapor à universalidade da
Igreja Católica. Isso tornou-se possível a partir da Reforma Protestante,
responsável pelo surgimento de Igrejas cristãs dissidentes que reduziram a
autoridade espiritual dos papas e assentaram um golpe decisivo nas suas
pretensões de disputar aos reis o poder temporal. Manifestou-se desde o século
XIV, no Ocidente, o anseio por uma espécie de nacionalismo eclesiástico, ou
seja, o desejo de uma religião nacional, para que os príncipes pudessem
dirigir, a seu modo, os cleros nacionais.
A
questão religiosa na Idade Moderna gerou polêmicas, e, em alguns casos, levou
ao rompimento com o clero católico. Foi o que aconteceu na Inglaterra no século
XVI com a Reforma de Henrique VII I. Em Portugal e na Espanha, porém, tornou-se
possível o estabelecimento de um Estado de compromisso, no qual se uniram os
interesses temporais e espirituais
A
idéia de Nação estava vinculada à necessidade de apoiar a soberania do
príncipe, vital para a construção de um Estado forte e competitivo, pronto para
justificar as decisões mais graves da política exterior. Tal concepção fez
aumentar a necessidade de estabelecer fronteiras precisas entre um reino e seus
vizinhos, pois o Estado deixava de ser um agregado de feudos para se tornar
"nacional", algo com que todos se identificavam. Geralmente os
limites eram fixados ao longo dos rios, mas também houve fronteiras
determinadas por linhas imaginárias. As fronteiras marítimas, principalmente
após as grandes navegações, tornaram-se uma questão de Estado, muitas vezes
sofrendo a interferência do poder espiritual. Um exemplo é o Tratado de
Tordesilhas (1494), que dividiu a América entre portugueses e espanhóis, sob os
olhos atentos do papa Alexandre Vi.
O
Estado unificado representou a consonância entre o rei e a comunidade nacional,
tornando-se a própria base para o pleno desenvolvimento socioeconômico. O termo
comunidade nacional é usado aqui também no pior sentido, no sentido do
preconceito: uma comunidade na qual o estrangeiro é visto com desconfiança ou
abertamente hostilizado como indesejável. Por exemplo, no fim da Idade Média,
artesãos holandeses sofreram perseguições na Inglaterra e os judeus da Alemanha
foram vítimas de violentas manifestações de xenofobia, responsabilizados em
algumas regiões pela difusão da Peste Negra.
Judeus
e estrangeiros não foram os únicos a conhecer a repressão. O interesse em
conter as massas camponesas, que, estimuladas pelo desenvolvimento comercial,
buscavam novas oportunidades de trabalho nas cidades, fazia com que burgueses e
nobres se preocupassem em organizar novas estruturas políticas. A burguesia via
num Estado nacional centralizado e forte a possibilidade de incentivar a
economia mercantil, enquanto seus aliados da nobreza acreditavam que a nova
ordem política poderia significar um aparelho mais forte de dominação, contra
as rebeliões camponesas e outras manifestações "plebéias" de
mudanças.
Em
resumo, para a sociedade européia ocidental do século XIV, a unidade nacional
parecia ser a palavra de ordem. Exército nacional, moeda única, território
demarcado, língua e cultura, administração única, enfim, um caldeirão de
sentimentos nacionais borbulhava na Europa ocidental, anunciando a grave crise
do sistema feudal que se tornaria irreversível no século seguinte.
A
exacerbação dessa crise favoreceu o surgi mento dos Estados modernos,
governados por monarquias nacionais. Em alguns casos, estas assumiram um
caráter absolutista. Foi o que
aconteceu, por exemplo, na França, em
Portugal e na Espanha.
Nos
países ibéricos, o desenvolvimento da burguesia e das atividades econômicas
mercantis e industriais favoreceu a implantação do regime absolutista, uma vez
que os conflitos existentes entre os nobres e os comerciantes exigiram a
instalação imediata de uma nova ordem política.
Foi
necessário, porém, que nenhum desses elementos se opusesse radicalmente ao
poder de intermediação dos príncipes. Mercadores nas cidades e nobres nos
campos de certa forma tiveram que estabelecer diferentes alianças com o monarca
para a manutenção da ordem. O rei garantia a tranqüilidade política e social,
arbitrava conflitos de interesses no seio das camadas privilegiadas, e com isso
edificava sua superioridade.
Os
historiadores Christopher Hill e Renê Rémond analisam a monarquia inglesa como
um caso peculiar, específico, devido ao modo pelo qual se organizou o poder
político no país após o século XII, com a assinatura da Carta Magna (1215).
Estatuto
político tipicamente feudal, a Magna Carta não pretendia ser um documento
popular, no sentido de garantir liberdades ao cidadão comum. Ela estabelecia os
limites do poder real, fixando os direitos e deveres da monarquia e de seus
vassalos da alta nobreza. Mas seu alcance acabou sendo estendido quando foi
instituído o Parlamento na Inglaterra, no século XIII.
O
Parlamento era composto pela Câmara dos Lordes, que reunia nobres leigos e
eclesiásticos, estes escolhidos pelo rei, e pela Câmara dos Comuns, na qual
elementos da baixa nobreza (gentry) eram eleitos por voto censitário (voto
vinculado às propriedades que possuía o eleitor). As duas Câmaras passaram a
exercer funções legislativas, bem como a controlar a cobrança dos tributos do
Estado.
O
modelo de Estado nacional que se desenvolveu na Inglaterra entre os séculos
XIII e XVII permanece objeto de discussão. Diferentes correntes historiográficas
apresentam a monarquia inglesa ora como absolutista ora como aristocrática
autoritária. A discussão gira em torno da divisão dos poderes, uma vez que,
para alguns historiadores, os poderes Executivo, Legislativo e judiciário não
se concentravam nas mãos do soberano.
Do
outro lado do canal da Mancha, porém, não havia dúvidas. O Estado francês se
constituía no modelo clássico para o estudo do absolutismo europeu. Segundo o
historiador Marcos Antônio Lopes, "ao conjunto da Europa ocidental, a França
desponta não somente como a maior e mais povoada, mas também como a mais
solidamente centralizada nação européia". Tal estado de coisas estimularia
as reflexões de alguns dos mais respeitados pensadores políticos da modernidade
A
manipulação do imaginário social, para a construção da imagem daquele que irá
ocupar o poder, é particularmente importante. Na maioria das vezes, não basta
mostrar apenas a verdade. Os responsáveis pela representação
"gráfica" dos candidatos, ou seja, os marketeiros políticos tinham de
convencer o eleitor.
Em
certa medida, funções semelhantes às dos marketeiros contemporâneos foram
exercidas na modernidade pelos teóricos do absolutismo. Eles justificavam o
poder dos reis baseados em teorias filosóficas que certamente refletiam o
desejo de camadas sociais interessadas na manutenção da autoridade
centralizada. Mas, na verdade, esses pensadores fizeram mais do que
"vender" a imagem da realeza. Eles empreenderam uma profunda reflexão
sobre o Estado e a política, procurando chegar a conclusões acerca do modelo
ideal de Nação e de poder.
O
florentino Nicolau Maquiavel (14691527) introduziu dois conceitos importantes
para o pensamento político moderno, Virtú e Fortuna. Virtude era para Maquiavel
a capacidade de o governante escolher a melhor estratégia para a ação de seu
governo, enquanto Fortuna remetia às contingências às quais os homens estão
submetidos. Um bom governante seria aquele que, com sabedoria, soubesse
combinar Virtude e Fortuna, sem priorizar uma ação em detrimento da outra. Para
alcançar a plenitude na política, os reis teriam que ter autonomia, não sendo
tutelados por nenhuma instituição, livres inclusive do poderio da Igreja
Católica.
Juntamente
com Maquiavel, o inglês Thomas Hobbes (1588-1679) é um dos principais representantes
da Teoria do Contrato Social. A partir da expressão "o homem é o lobo do
homem" (homo homini lúpus), Hobbes justificou a necessidade de a sociedade
civil ser organizada politicamente para sair do estado de natureza, que para
ele era sinônimo de caos. O estado de natureza, segundo Hobbes, era uma
situação em que os homens viviam em sociedade apenas por questões de
sobrevivência, por necessidades vitais, não por se sentirem seres sociais.
Hobbes sustentava que sem um governo forte e capacitado os homens não
respeitariam os limites necessários para uma boa convivência social. O caos
estaria sempre presente no cotidiano das pessoas.
Sendo
assim, a sociedade abdicaria de seus direitos em nome do rei, capaz de manter a
ordem social e por conseqüência a segurança nacional. Para Hobbes, autor de
leviatã, o Estado seria então um mal necessário, porém capacitado a assegurar
um comportamento social mais pacífico dos membros da sociedade. Ele considerava
o Estado um monstruoso aparato administrativo, que por meio de um Contrato
Social com a população poderia absorver o direito de resolver por ela,
soberanamente, as questões do bem comum. Portanto, para escapar ao caos e ter
assegurada a sobrevivência, o homem perderia a liberdade política.
Discordando
da teoria do Contrato Social, uma outra corrente de pensadores acreditava que a
legitimação jurídica da monarquia perpassava pelas questões religiosas. Eles
viam nos reis a expressão mais perfeita da autoridade delegada por Deus, e por
isso falavam em monarquia por direito divino o trecho a seguir é de autoria do
renomado teórico absolutista francês, Jacques Bossuet (1627-1704).
Também
adepto da teoria do direito divino dos reis, Jean Bodin (1530-1596) tornou-se
conhecido como "Procurador Geral do Diabo" devido a sua incansável
perseguição a feiticeiras e hereges. Bodin negava veementemente o direito à
existência do Parlamento, sustentando que o órgão legislativo, diante de Deus,
não possuía soberania para resolver qualquer questão, principalmente se em desacordo
com o rei.
Os
processos de formação e consolidação dos Estados nacionais, variáveis em cada
pais, sugerem que a linguagem política das monarquias no Antigo Regime variou
na mesma proporção. Sendo assim, não podemos unificar as características, a política
e a mentalidade dos reis da modernidade. Para cada Estado nacional ou forma
monárquica é necessário dirigir um olhar. Existiram na realidade vários
"Antigos Regimes". Mas a expressão Ancien Régime está associada à
Revolução Francesa, usada em referência crítica ao absolutismo monárquico. O
próprio uso generalizado dessa expressão mostra que a França monárquica
ofereceu o modelo mais elaborado da centralização absolutista do pode.
A
imagem do rei como pai e protetor complementava a imagem do soberano poderoso,
promotor do desenvolvimento econômico, e ajudava com isso a minimizar os
conflitos sociais sob o Antigo Regime.
Pela
ótica do simbolismo, do imaginário, dos sentimentos e dos mitos é interessante
observar o significado das práticas e representações políticas do Antigo
Regime, principalmente na França, desde os primórdios da centralização do poder
político até o seu esplendor no século XVII.
O
imaginário político na Idade Média mostrou-se importante para que a sociedade,
na Idade Moderna, compreendesse o verdadeiro significado do rei no processo de
consolidação dos Estados nacionais. Para os medievos, o poder político era
rodeado de simbologias inquestionáveis, baseadas no misticismo.
Séculos
depois, a sagração do poder real na França conservava seu caráter mágico. A
cerimônia ficava a cargo da Igreja, o que permite perceber claramente a
intermediação entre as esferas secular e espiritual durante o Antigo Regime. Em
geral era realizada na Catedral de Reirris. Naquele momento, toda a sociedade
podia participar da comunhão que se oficializava entre o Sagrado e a Nação.
Outro
exemplo de ritual político é o ‘’Leito de Justiça", uma das quatro maiores
cerimônias que compunham o cerimonial do Estado francês, desde o final da Idade
Média. Era uma espécie de "guerra de rituais" travada no Parlamento
de Paris, na qual a realeza se utilizava de toda complexidade do código
cerimonial como instrumento de ofuscação e rebaixamento dos parlamentares.
A
relação entre a realeza e seus súditos que esses rituais expressam corresponde
a uma analogia orgânica, na qual a figura do rei representa a cabeça do reino,
e os súditos, os membros. É possível afirmar nesse instante que há o declínio
expressivo da ordem política cristã, uma vez que a imagem da realeza apropria-se
de certas funções pontifícias, anteriormente praticadas pelos mais altos
representantes da Igreja.
A
imagem do rei, no período da transição do feudalismo para a sociedade burguesa,
se associa à justiça, à virtude e à própria natureza da nação. O rei é o agente
responsável pela manutenção da ordem, pela prosperidade da nação, pelas
vitórias nas guerras, pelos êxitos culturais. A realeza passa a ser um conceito
místico. Concepções medievalistas que se utilizavam da metáfora do esposo e da
esposa - o amor de Cristo pela Igreja - são transferidas do espiritual ao
secular, para definir a ligação entre Príncipe e Estado. O rei é o "esposo
mítico" da República, aqui entendida como Estado.
Durante
a modernidade, o corpo do rei foi visto simbolicamente como se na verdade
fossem dois corpos distintos. O primeiro representando o corpo físico, sujeito
a sentimentos, paixões e morte. O segundo, o corpo político, cujos membros
representariam os súditos, e a cabeça, o rei. Nesse corpo o rei estaria imune
às manifestações humanas, inclusive à morte. No final do século XVIII, a
Revolução Francesa empreenderia a crítica radical dessa e de outras concepções
do Antigo Regime.