sábado, 5 de maio de 2012

Reforma Protestante e Contra Reforma Católica.


A Reforma Protestante e a Reforma Católica integram um conjunto de acontecimentos que marcaram a transição do feudalismo para uma sociedade aos moldes burgueses na Europa ocidental. A Reforma Protestante foi além da critica aos dogmas e práticas do catolicismo, que abalaram a autoridade da hierarquia eclesiástica. Com o apoio de segmentos sociais interessados na diminuição do poder do papa, ela contribuiu para modificar as instituições políticas, sociais e econômicas européias. 0 termo protestantismo não designa uma Igreja ou seita específica, mas o movimento de reforma religiosa iniciado na Alemanha por Martinho Lutero, que deu origem a diversos grupamentos evangélicos.
            As expressões Reforma Católica ou Contra reforma, por sua vez, referem-se ao movimento que pretendeu repensar o catolicismo, abalado pelas críticas e iniciativas dos reformadores protestantes. Entretanto, no Concílio de Trento (1545-1563), o papa e os cardeais concluíram que a doutrina católica não precisaria ser modificada. Em vez disso, Roma reforçou seus dogmas, criando mecanismos eficazes para o combate à heresia, isto é, a qualquer doutrina contrária ao que fora definido pela hierarquia em matéria de fé. Heresia, palavra de origem grega, significa opção, escolha. Para a Igreja Católica no momento de transição para a modernidade, religião não era uma questão de livre-arbítrio.
            A multiplicação das heresias na Baixa Idade Média foi um sintoma da crise da ordem feudal, incapaz de atender às necessidades espirituais e materiais de largos setores da população. Muitos grupos declarados heréticos pela Igreja denunciavam a corrupção do clero e propunham uma vida simples e igualitária, tal como a dos primeiros cristãos. Com isso, criticavam também os privilégios e o estilo de vida da nobreza, que se uniu aos eclesiásticos na repressão a esses movimentos. Várias heresias foram esmagadas, seus partidários condenados à forca ou lançados nas fogueiras. Mas suas idéias contribuíram, séculos depois, para a reforma religiosa nos Estados germânicos, atual Alemanha, e também para a rebelião dos campesinato germânico contra a opressão dos príncipes.
            A heresia mais significativa do século XII foi a dos albigenses ou cátaros ("puros", em grego) que, do sul da França, cresceu até assumir o caráter de uma igreja organizada e em expansão, concorrente da Igreja Católica. 0 movimento se difundiu a partir de Languedoc, região meridional praticamente independente do rei da França. No sul não se falava francês e sim o provençal, idioma também descendente do latim. Ali se desenvolveu uma cultura própria, diferenciada da francesa. No século XI li, nobres católicos lutaram em defesa dos cátaros contra as tropas vindas do norte.
            Os cátaros acreditavam que o bem e o mal eram eternos. As almas, criadas pelo princípio do bem, tendiam a ser dominadas pelo Diabo, senhor do mundo; Jesus era um anjo enviado pelo princípio do bem para ensinar os homens a escapar das tentações do mal. Os cátaros não admitiam os sacramentos nem juramentos, essenciais às relações entre suseranos e vassalos, e não derramavam sangue nem mesmo em defesa própria. Foram condenados por heresia em 1184. A ofensiva geral, porém, viria no século XIII, quando o papa Inocêncio III lançou a Cruzada Albigense: quem participasse da repressão aos hereges receberia o perdão dos seus pecados, como acontecia aos cruzados na Terra Santa. A guerra, entre 1209 a 1229, exterminou os cátaros, colocou Languedoc sob controle francês e esmagou a cultura provençal.
            Muitas mulheres suspeitas de heresia também foram perseguidas pela Igreja como bruxas ou feiticeiras. Certamente o clima sexual perverso, implícito na idéia de feitiçaria, colaborou para dar aos heréticos uma imagem de depravação, ainda que estes, como faziam os cátaros, pregassem a castidade absoluta, mesmo entre marido e mulher. Pessoas acusadas de heresia ou bruxaria eram julgadas pelo temível Tribunal de Inquisição, instituído com a finalidade de investigar e punir crimes contra a fé católica. Durante mais de 300 anos, milhares de mulheres que, segundo a crença da Igreja, desde Eva eram uma ameaça constante, foram queimadas vivas em cerimônias pública.
            Alguns intelectuais dos séculos XIV e XV podem ser considerados precursores do movimento reformista. Entre eles estão inglês, John Wycliffê, professor em Oxford, que denunciou a corrupção do clero e desafiou a autoridade da Igreja ao afirmar que qualquer um que tivesse fé poderia conseguir a salvação eterna. Suas idéias sobre a salvação pela fé e não pela prática de "boas obras" como a compra de indulgências serviram de inspiração para as 95 teses que expressaram as críticas de Martinho Lutero à Igreja Católica.
            Outro precursor da Reforma foi o padre Jan Huss, natural da Boêmia (região que hoje integra a república Tcheca), que morreu queimado na fogueira em 1415. Profundo conhecedor dos textos bíblicos e do pensamento de Wycliffê, Huss pregava a obediência estrita às Escrituras e denunciou a corrupção e o luxo do clero. Ele traduziu textos sagrados para a língua do seu povo; sua vida e sua obra são reverenciadas como momentos marcantes de afirmação da nacionalidade tcheca.
            A execução de Huss por ordem do imperador Sigismundo, que governava o Sacro Império Romano Germânico (entidade que abrangia a Boêmia e boa parte dos Estados germânicos), deu origem ao hussismo, movimento de massas contra a autoridade eclesiástica e imperial. 0 hussismo passou a ser a bandeira de rebelião das massas camponesas empobrecidas, e também a expressão do nacionalismo boêmio. em 1434, depois de numerosas vitórias, os hussitas foram massacrados. Um século depois, Lutero admitiria que Huss era o grande precursor da Reforma.
A afirmação da nacionalidade, que levava os camponeses da Boêmia à rebelião sob a bandeira hussita, em outras partes da Europa conduzia à formação das monarquias nacionais. Isso é um indício de que, naquele momento, interligavam-se os vários aspectos da crise feudal, tais como o desenvolvimento cultural e científico, a formação das monarquias nacionais, o peso crescente dos setores mercantis e manufatureiros e o declínio da Igreja Católica. Todos esses aspectos se associaram à reforma religiosa, articulando-se ao maior ou menor grau de centralização do poder político e atrás condições que variavam de país para país.
            Questionando verdades estabelecidas, sacramentadas pela Igreja, o homem do Renascimento lançou-se na aventura de pensar livremente. A teoria do heliocentrismo de Nicolau Copérnico, a física de Isaac Newton, o método científico de Francis Bacon, as múltiplas pesquisas empreendidas por Leonardo da Vinci apontavam o caminho, levando ao abandono de muitas concepções medievais e enfatizando a importância da razão e do pensamento sem barreiras. Essa atitude seria estendida à esfera religiosa: a Reforma não propunha intermediários entre Deus e o homem.
            A formação das monarquias nacionais também contribuiu para o movimento reformista, uma vez que o conflito entre o poder temporal, representado pelo rei, e o poder espiritual, representado pelo papa, constituiu um obstáculo ao fortalecimento da autoridade central. Além disso, os dízimos transferidos para Roma prejudicavam as finanças dos Estados Nacionais. E os extensos feudos da Igreja em cada país eram cobiçados pelos reis e pela nobreza territorial, que se apoderaram deles no decorrer da reforma religiosa.
            O conflito entre Roma e a burguesia mercantil, por sua vez, esteve ligado à oposição eclesiástica à usura, isto é, ao pagamento de juros nos empréstimos. A Igreja propunha, em vez disso, a Teoria do Justo Preço, segundo a qual era estabelecido um limite para os lucros dos comerciantes.
            Corno era previsível, os fatores imediatamente associados à proposta de reforma religiosa diziam respeito às práticas da Igreja Católica: a venda de indulgências para o perdão dos pecados, as negociatas em torno dos cargos religiosos, o despreparo e a vida desregrada de muitos sacerdotes tornavam-na alvo de críticas de grande impacto popular.
            Na esfera teológico-filosófica, estavam em confronto duas propostas. De um lado o Tornismo, doutrina de São Tomás de Aquino, teólogo italiano 0 225-1274), adotada oficialmente pela Igreja Católica, e que tentava conciliar o cristianismo com a teoria do livre-arbítrio; do outro lado, as concepções de Santo Agostinho, doutor da Igreja nascido na África romana (354-430), que pregavam a predestinação e a fé. A doutrina agostini na serviria de base para a Reforma Protestante.
            Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano e doutor em Teologia pela Universidade de Wittenberg, foi o impulsionador da reforma religiosa na região da atual Alemanha. Ele aceitava as idéias de Jan Huss principalmente no que dizia respeito às propostas de liberdade de culto e de liberdade de consciência individual. Divergindo das orientações de Roma, Lutero acreditava que a salvação da alma resultava da fé, a graça divina mais importante do homem; e que as boas obras em nada influíam para a salvação. A partir dessas idéias, Lutero condenou a compra de indulgências como passaporte ao reino dos céus.
            As condições políticas e econômicas do Santo Império Romano-Germânico, que abrangia boa parte dos territórios alemães, favoreceram a difusão das concepções de Lutero. 0 Império era formado por diversos principados independentes, governados por nobres que elegiam o imperador. 0 poder imperial estava nas mãos da dinastia dos Habsburgos, representada por Carlos V, que tinha fortes ligações com a Igreja Católica. Havia cardeais entre os Eleitores do Sacro Império. Além disso, muitos feudos eram controlados pelo clero, que conseguia grandes lucros com o arrendamento dessas terras. Outras fontes de renda da Igreja provinham da arrecadação do dizimo e do comércio de indulgências. Diante do poderio econômico e dos abusos cometidos pelos eclesiásticos, diversos segmentos sociais faziam fortes críticas à Igreja, criando um terreno favorável para a proposta de reforma religiosa.
            Mas os diferentes grupos sociais dos principados alemães tinham características, objetivos e interesses diferentes. A burguesia queria um clero menos intransigente-e ao mesmo tempo desejava reduzir a transferência de capitais para Roma; a nobreza desejava apoderar-se das terras eclesiásticas, enquanto os camponeses viam na Igreja Católica um dos maiores exploradores do Império, devido à cobrança dos dízimos. Eles queriam terras para cultivar. E também estavam dispostos a lutar para se livrar da dominação dos grandes nobres, qualquer que fosse a sua religião.
            Em 1517, a decretação de uma bula (carta pontifícia de caráter solene) do papa Leão X, promulgando uma das mais notáveis vendas de indulgências já vistas na Europa, acelerou a crise. Na bula, o papa estabelecia que aqueles que contribuíssem para a construção da Catedral de São Pedro, em Roma, receberiam de Deus o perdão total de seus pecados. Para efetivar o "negócio", Leão X propôs acordos com a França e a Inglaterra e também com os banqueiros alemães. Os signatários do acordo dividiram com Roma parte dos lucros obtidos na arrecadação. No mesmo ano, denunciando a venda de indulgências e a doutrina da salvação pelas obras, Lutero afixou na porta da Igreja de Wittenberg, onde era sacerdote, um documento que apontava noventa e cinco críticas a ao papado, conhecido como as 95 Teses de Lutero. Eis algumas delas O aparecimento das 95 Teses deu início ao confronto entre Roma e o monge rebelde. Leão X exigiu que Lutero se retratasse, sob pena de ser considerado herético. Lutero respondeu à ordem papal queimando publicamente o documento que continha a intimação vinda de Roma. Como conseqüência, foi excomungado mas, com a proteção da nobreza alemã, conseguiu manter-se escondido por algum tempo.
            Em apoio às decisões do papa, o imperador Carlos V convocou Lutero a comparecer diante da Dieta de Worms, assembléia imperial, para que fosse julgado pelos príncipes alemães. 0 julgamento foi favorável a Lutero, uma vez que a maioria dos nobres era hostil a Roma. Contrariando a decisão da Assembléia, Carlos V determinou o banimento de Lutero dos territórios imperiais. Mas Frederico da Saxônia o acolheu nos seus domínios, situados entre o rio Reno e o mar Báltico. Outros príncipes financiaram a divulgação das idéias luteranas por todo o Império.
            Lutero tinha expectativas de que a nobreza alemã abraçasse a religião reformada e pusesse em prática suas concepções. Havia, porém, outros setores comprometidos com a Reforma, mais radicais do que os príncipes, os cavaleiros e as massas camponesas reunidas em torno da seita dos anabatistas. Este grupo admitia apenas o batismo dos adultos, pois as crianças não tinham maturidade para optar. Mas sua proposta de maior apelo popular era o retorno ao igualitarismo do tempo dos apóstolos, com a partilha das riquezas e especialmente da terra.
            A radicalização desses grupos não tardou. Já em 1523 ocorreu à revolta dos cavaleiros. Integrantes da pequena nobreza empobrecida, eles não possuíam terras ou prestígio social. Pregavam a melhor distribuição das rendas e a diminuição do poder político da alta nobreza. Motivados pelas idéias luteranas, que criticavam a riqueza do clero, invadiram as propriedades eclesiásticas e dividiram-nas com os camponeses. Lutero condenou as ações radicais feitas em seu nome e apoiou os grandes senhores na luta contra os cavaleiros, declarando que as reformas deveriam partir da alta nobreza e que a ela deveriam ser entregues as terras da Igreja Católica, após o movimento reformista.
            Entre 1523 e 1525 tiveram início as mobilizações do campesinato alemão, de início em apoio aos cavaleiros e depois como um movimento autônomo. Os camponeses eram liderados por Thomas Münzer, porta-voz dos anabatistas e um dos seguidores mais radicais de Lutero. Percebendo que as propostas luteranas beneficiavam prioritariamente a aristocracia, Münzer rompeu com Lutero e estabeleceu sua própria doutrina, que pregava o fim da propriedade privada. Seus adeptos, principalmente camponeses e aprendizes das cidades, revoltaram-se contra o domínio da nobreza, dos sacerdotes e dos cidadãos mais ricos.
            Na Alemanha Central, o movimento tornouse tipicamente revolucionário, com os camponeses exigindo a abolição da servidão e a posse comunitária da terra. Lutero mais uma vez manifestou-se contrário ao movimento popular, condenando publicamente Milinzer e os camponeses. Thomas Münzer rebateu às acusações vindas do pastor, chamando Lutero de "Doutor Mentiroso".
            Tropas militares financiadas pela alta nobreza reprimiram brutalmente o movimento camponês. O saldo da rebelião foi de cem mil mortos e a decapitação de Thomas Münzer.
            Em 1530, com o auxílio do teólogo Filipe MeIanchton, Lutero redigiu um documento que fundamentava sua doutrina. Nele, afirmava que a fé constituía a única e verdadeira fonte da salvação e que o dogma absoluto da religião reformada seria o texto das Escrituras. Lutero mostrava-se favorável à livre interpretação da Bíblia e à sua tradução nas línguas nacionais; ele próprio traduziu a Bíblia para o alemão. Sua proposta previa a existência de uma Igreja nacional, sem hierarquias religiosas como o papa e os bispos. O celibato dos padres desapareceria. Haveria apenas dois sacramentos: o batismo e a eucaristia. Lutero também negou o ato da transubstanciação (transformação do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo), sugerindo que o ato religioso fosse visto não como a transformação, mas como a bênção sagrada e divina no pão e no vinho, que ele chamou de consubstanciação.
            Em 1555, na tentativa de promover a conciliação com o poder imperial, a nobreza luterana firmou um acordo conhecido como Paz de Augsburg. O acordo determinou que cada príncipe pudesse escolher sua religião, assim como a de seus súditos, segundo o princípio Cujus regís ejus reeligío (cada príncipe, sua religião).

            Como resultado, o luteranismo predominou nos Estados alemães do norte, enquanto o sul permanecia católico. A paz voltou a reinar temporariamente nas fileiras da alta nobreza alemã. Mas a unidade religiosa na Europa ocidental e central se rompeu para sempre.
            A reforma religiosa na Suíça representou, antes de tudo, uma necessidade burguesa. 0 país estava dividido em cidades-repúblicas, como Zurique, Basiléia, Berna e Genebra, todas elas importantes centros comerciais. 0 poder político nessas cidades estava nas mãos de uma burguesia nascente, impedida de expandir seus negócios devido às fortes barreiras impostas pela Igreja Católica. 0 clero combatia a liberdade econômica e o crescente lucro dos setores mercantis. A burguesia necessitava desse modo, de novos parâmetros morais, econômicos e religiosos que legitimassem a obtenção do lucro por meio do comércio e da exploração do trabalho assalariado.
            Uirico Zwinglio, ardente defensor das idéias de Lutero, foi o iniciador da reforma religiosa na Suíça. De formação humanista, ordenou-se padre em 1517, mostrando-se sempre muito crítico em relação aos dogmas da Igreja Católica. Sua atuação humanitária no auxílio aos pobres e doentes nas ruas de Zurique, durante a peste bubônica que assolou a Suíça em 1519, tornou-o muito popular. Essa passagem de sua vida levou o a refletir sobre a necessidade de viver mais intensamente a religião. Em seus sermões, passou a discutir a urgência de reformar o cristianismo.
            Zwinglio defendia a predestinação e condenava a confissão, alegando que cabia a Deus e não aos padres perdoar os pecados. Por iniciativa sua, a religião reformada estendeu-se pelo norte da Suíça-. Em 1531, quando tentava levar seus ensinamentos a grupos mais conservadores, teve início uma guerra civil que provocou a morte do reformador. Mas suas propostas saíram vitoriosas, consagradas no acordo conhecido como a Paz de Kappel (153 1), pelo qual o governo de cada região suíça teria o direito de escolher sua própria religião.
            As revoltas religiosas estenderam-se até Genebra, região submetida a um duplo poder político, dividido entre o bispo católico local e um nobre feudal, o conde de Sabóia. Os habitantes de Genebra enfrentaram esse duplo poder e tornaram-se independentes. A cidade-república de Genebra foi o cenário e o laboratório para a atuação de um dos maiores impulsionadores da Reforma, o teólogo francês João Calvino.
            Ao converter-se ao luteranismo por volta de 1530, Calvino (1509-1564) renunciou a alguns benefícios eclesiásticos. Em razão disso, foi perseguido e transferiu-se para Genebra em 1536. Nesta cidade publicou Instituições da religião cristã, na qual expunha seus princípios teológicos. Calvino reafirmava as doutrinas luteranas da salvação pela fé e levava às últimas conseqüências a Teoria da Predestinação.
            Os princípios calvinistas pregavam o rigor da disciplina, a valorização moral do trabalho e da poupança, oferecendo aos setores burgueses uma justificativa religiosa sólida e bem elaborada para suas atividades. Esse aspecto de justificativa ideológica contribuiu para que a doutrina calvinista ganhasse adeptos nas principais cidades-repúblicas da Suíça. A partir de 1541, tanto o governo como a religião de Genebra estavam nas mãos de Calvino, que exerceu o poder por intermédio de uma oligarquia religiosa conservadora sob o controle de um Consistório (assembléia). Detendo uma autoridade ilimitada, esse órgão controlava o cotidiano das pessoas, obrigando-as a participar de cultos e da comunhão.
            As idéias de Calvino expandiram-se pela Europa ocidental, região na qual o desenvolvimento das práticas capitalistas abria um campo favorável para uma reforma religiosa que justificasse e, além disso, impulsionasse as atividades dos setores mercantis e manufatureiros. Em cada país, grupos religiosos de inspiração calvinista, organizados pela burguesia local, empenharam-se na conversão de outras camadas sociais. Na Inglaterra (puritanos), na Escócia (presbiterianos), na França (huguenotes) e em muitas outras regiões surgiram adeptos da fé e da ética conservadora calvinista. De acordo com o cientista político Norberto Bobbio.
            A reforma religiosa na Inglaterra ocorreu antes mesmo de Lutero ter consolidado sua influência doutrinária nos territórios alemães. As condições inglesas mostravam-se favoráveis a isso. Os reis da dinastia Tudor lutavam para reforçar o poder central, e nesse processo entravam em conflito com a autoridade eclesiástica. Além disso, como acontecia em outros países, na Inglaterra a Igreja Católica detinha a posse de grandes extensões de terras, cobiçadas pela coroa e pela nobreza. As idéias dos humanistas e dos pensadores do Renascimento corroíam a autoridade tradicional e, para agravar a situação, as influências da Reforma chegavam ao país. A penetração das idéias de Lutero e mais tarde de Calvino nas camadas sociais como a gentry, pequena nobreza envolvida com as questões comerciais, e nos setores mercantis e profissionais teve repercussões importantes para a história do protestantismo na Inglaterra.
            O início da reforma religiosa inglesa se deu por iniciativa do rei Henrique VIII, que encontrou apoio em seus súditos para a organização da Igreja Anglicana. Mas isso não significou que a ruptura com a Igreja Católica no pais tenha sido apenas uma questão política. O conflito entre o rei e o papa foi desencadeado por problemas domésticos. Em 1527, Henrique VIII solicitou ao papa autorização para anular seu casamento com a espanhola Catarina de Aragão. Tal pedido justificava-se no fato de ele e Catarina terem apenas uma filha, com a saúde comprometida, e, portanto inapta para subir ao trono da Inglaterra no momento necessário.
            Envolvido com uma dama inglesa, Ana Bolena, o rei pretendia resolver o problema da sucessão casando-se novamente, e para isso aguardava a autorização da Santa Sé. Mas o papa Clemente VII evitava intervir nessa questão, uma vez que Catarina era sobrinha do imperador Carlos V, do Sacro Império Germânico, que no momento auxiliava a Igreja no combate aos luteranos. Os infindáveis adiamentos do papa levaram Henrique VIII a tomar a iniciativa em 153 1, obrigando o Parlamento a votar uma série de leis que colocou a Igreja Católica inglesa sob o controle do Estado. 0 rei se tornou chefe supremo da Igreja Anglicana através do Primeiro Ato de Supremacia, podendo nomear os eclesiásticos e determinar os dogmas religiosos. A resposta do papa foi à excomunhão de Henrique VIII.
            A partir de 1536, muitos mosteiros deixaram de existir. Suas terras e os outros feudos do clero foram expropriadas e vendidas a nobres, a comerciantes e a fazendeiros, que passaram a ser o sustentáculo político da Igreja Anglicana. Na nova Igreja nacional, o rei concentrou extensos poderes de ordem espiritual.
            A complementação da obra reformista de Henrique VIII foi realizada no reinado de Elizabeth 1, sua filha com Ana Bolena. Entremeando características do anglicanismo e do calvinismo, a nova Igreja Anglicana procurou chegar a uma conciliação das regras religiosas na Inglaterra, na tentativa de impedir a divisão do reino por questões de crença.
            Na verdade, uma das preocupações da rainha Elizabeth foi organizar uma Igreja que pudesse ser aceita por católicos moderados sem grandes choques com as suas convicções, algo como um catolicismo sem Roma, um corpo doutrinário católico sem a hegemonia do papa. Ela chegou a alimentar esperanças na Santa Sé quanto ao restabelecimento do catolicismo na Inglaterra. Tais esperanças se esvaziaram com a votação do Segundo Ato de Supremacia, que reconhecia o poder político do rei sobre os assuntos de crença e determinava a total independência religiosa inglesa com relação a Roma.
            As origens da Reforma Católica ou Contra-Reforma podem ser buscadas a partir dos últimos anos do século XV, antes mesmo, portanto, da Reforma Protestante. Em países como Espanha e Itália, por iniciativa de alguns clérigos, foram tentadas medidas no intuito de restabelecer a disciplina eclesiástica e regenerar a vida espiritual. Mas a Igreja Católica como um todo só se preocupou em adotar medidas concretas no momento em que os movimentos de reforma passaram a questionar seriamente o corpo doutrinário e a ameaçar o poder político-econômico do clero.
            A reação de Roma frente à expansão do protestantismo veio através de várias medidas, entre elas a reorganização do Tribunal do Santo Ofício, que atuava na       Europa desde a idade Média, julgando e punindo aqueles que fossem suspeitos de difundir idéias e práticas religiosas em desacordo com a Igreja Católica.
            Além disso, por iniciativa do papa Paulo III, a Igreja Católica realizou um dos encontros mais importantes de sua história milenar: o Concilio de Trento. 0 Concílio realizou-se de 1545 a 1563, com algumas interrupções, e teve como objetivo principal posicionar-se frente às críticas protestantes. Dentre as decisões mais importantes tomadas em Trento, destacaram-se a reafirmação dos dogmas católicos, a manutenção dos sacramentos, a confirmação da transubstanciação, da hierarquia do clero e o celibato clerical.
            O Concílio também formulou normas para coibir abusos como a venda de indulgências e aprovou propostas para a fundação de seminários de teologia, destinados a melhorar a formação do clero. Por último, surgiu o Index LIbrorum Proibitorum, uma lista dos livros cuja leitura era proibida aos católicos. Obras como 0 elogio da loucura, do humanista católico Erasmo de Roterdam; edições de textos originais da Sagrada Escritura, traduzidos por teólogos protestantes; textos de Calvino e Lutero que falavam de heresias e cismas; Decamerão e todas as novelas de Boccaccio e o Livro de La oraciõnde Frei Luís de Granada (que chegou a ter 23 edições) constavam da lista proibitiva. O Index, constantemente revisto, foi abandonado apenas em 1966.
            O movimento católico foi ainda reforçado pela estruturação de ordens religiosas, sendo uma das mais importantes a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola. Os jesuítas, como ficaram conhecidos seus integrantes, se organizaram como um verdadeiro exército para a contra ofensiva católica. Responsáveis pelo fortalecimento do catolicismo em muitos dos países em que atuaram, transformaram-se em educadores e desempenharam, por exemplo, um papel fundamental na catequese dos povos nativos das colônias portuguesas e espanholas na América.
            A reforma religiosa impulsionada por Lutero e Calvino contribuiu decisivamente para a desestruturação das relações sociais predominantes no feudalismo. Num primeiro momento porque, ao criar uma moral econômico-religiosa, permitiu a médio prazo a ascensão da burguesia, sem traumas ou culpa, no universo econômico. Em seguida, porque provocou a ruptura da cristandade, fator importante da queda do prestígio e da autoridade do papa, um dos sustentáculos do mundo feudal. Os efeitos mais contundentes da Reforma Protestante foram a divisão da cristandade ocidental em diversas seitas hostis entre si. A liberdade de culto, a livre interpretação das Escrituras e a substituição do latim pelas línguas nacionais nas cerimônias religiosas incentivaram de certa forma o nacionalismo nos Estados. Entretanto, liberdade de culto não significou, num primeiro momento, liberdade religiosa. A intolerância, a perseguição aos adversários, à caça às bruxas, em sentido figurado e literal, também fizeram parte da ortodoxia protestante. Existe, além disso, toda uma herança negativa de guerras religiosas. Regiões como o norte da Irlanda, cenário de conflitos seculares entre católicos e protestantes, dão testemunho de que ambos se obstinam em ignorar as lições de amor do mestre que dizem reverenciar.

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